12 de maio de 2021 Ouvir o texto
O conceito de Cidadania Global está em construção e, ao promover o programa Conversas sobre Educação para uma Cidadania Global Significativa, a Fundação SM pretende contribuir com esta construção tanto na teoria quanto na prática. O tema do último encontro foi como educar para a Cidadania Global a partir da perspectiva da igualdade de gênero.
O evento contou com a participação de Clara Maeztu Gomar, especialista em Educação para Cidadania Global na Fundação Entreculturas, na Espanha; Ariana Pérez Coutado, cientista político, coordenadora do Observatório da Juventude na Ibero-américa e autora do estudo “Jovens espanhóis 2021. Ser jovem em tempos de Pandemia”; e Carmen Magallón Portolés, presidenta da Fundação SIP (Seminário de Investigação para a Paz) e doutora em Física, com especialização em História da Ciência pela Universidade de Zaragoza.
A conversa foi mediada por Elisa Bonilla, especialista internacional em educação, membro do Comitê Executivo da Fundação SM e filiada da Rede de Mulheres Unidas pela Educação (MUxED).
As diferenças de gênero no contexto mundial
De acordo com o último relatório publicado pela Entreculturas, “Niñas libres de violencia. Derecho a la educación, garantía de igualdad” (Meninas livres de violência. Direito à educação, garantia de igualdade), há no mundo 240 milhões de meninas ameaçadas por diversos tipos de violência e discriminação (abuso físico, violência emocional, sexual ou profissional, tráfico, casamento forçado, gravidez indesejada, cyberbullying etc.). Essa ameaça, ou realidade, discrimina milhões de meninas e mulheres jovens e adultas do mundo todo e as impede de desfrutar dos direitos fundamentais e da igualdade de participação.
“Essa violência é um fenômeno global transversal e afeta todos os países, culturas e classes sociais do planeta, alguns mais, outros menos. Por isso, é necessário trabalhar a perspectiva de gênero a partir da educação, com foco nos direitos humanos. Essa violação de direitos afeta e diz respeito a todos nós, não apenas às meninas e mulheres jovens e adultas”, enfatizou Clara Maeztu.
A situação das mulheres jovens na Ibero-América
A partir dos resultados de diversas pesquisas realizadas pelo Observatório da Juventude na Ibero-América (OJI), da Fundação SM, sobre atitudes e posicionamentos dos jovens em relação à igualdade de gênero em oito países ibero-americanos, é possível tirar três conclusões principais:
A quarta onda do feminismo vem marcada por esse ativismo geracional e a mobilização on-line, apesar das enormes diferenças encontradas também entre os e as jovens, de acordo com suas ideologias, classes sociais, níveis educacionais e origens.
Na Espanha, de acordo com o relatório elaborado pela Fundação SM Jóvenes españoles 2021, do qual Ariana Pérez é uma das autoras, a maioria dos jovens reconhece que existe igualdade para as mulheres; mas as jovens espanholas pensam o contrário e só admitem essa paridade nas possibilidades oferecidas pelo sistema educacional.
Para Ariana, “tudo isso nos leva a uma reflexão: conseguimos formar uma geração que defende a luta pela igualdade de gênero, mas é preciso aprofundar isso neles para que compreendam a raiz do problema e não fiquem simplesmente nas declarações e no que seria socialmente desejável”.
O que é igualdade?
A educação global deve responder à ideia de que somos uma única humanidade, interdependente, e que precisamos uns dos outros. Quando falamos de igualdade de gênero, historicamente se promoveu o desejo de ser como o homem branco de classe média.
“A educação precisa recuperar o legado civilizador que as mulheres proporcionaram à história. A presença feminina em todas as áreas do conhecimento precisa ser incluída nos currículos. Devemos não apenas reivindicar, mas também mostrar, dar visibilidade a todas as grandes manifestações históricas das mulheres. Isso é essencial para a construção da Cidadania Global”, ponderou Carmen Magallón.
Uma das grandes contribuições das mulheres, que a pandemia voltou a mostrar, tem a ver com o fato de que são seres radicalmente vulneráveis. O ser humano nasce nu e dependente. Quem sempre se encarregou dos cuidados necessários à sobrevivência? As mulheres. “Esse valor precisa ser universalizado, e essa responsabilidade precisa ser dividida com os homens. Cuidar é tarefa de ambos. É uma tarefa humana, independentemente do gênero”, reforçou Carmen.
A desigualdade feminina afeta também a situação econômica. As mulheres das classes altas ou que conseguem entrar para o mercado de trabalho em condições ideais deixam os filhos ou os pais e parentes idosos a cargo de outras mulheres com menos recursos, muitas vezes imigrantes. “A cadeia do cuidado continua sendo sustentada pelas mulheres. Isso também precisa ficar visível”, disse Carmen.
A especialista levantou uma série de questões sobre aspectos que a educação global deve considerar: “qual é o significado de uma vida digna: trata-se apenas da lógica da acumulação? Ou existem outras lógicas de sentido, como manter a vida, cuidar uns dos outros e proteger a natureza? O que significa desenvolvimento? O que as tecnologias nos oferecem? Elas nos humanizam ou não?”, questiona. Para Carmen, essas e outras questões precisam estar presentes e ser respondidas a partir da educação global.
Como viabilizar a igualdade de gênero numa cidadania global
“Se quisermos que a educação para a cidadania global seja realmente transformadora e inclusiva, precisamos introduzir o enfoque de gênero de forma transversal. É um desafio social global, não apenas educacional, que está relacionado com a defesa dos direitos humanos e com a participação plena de metade da população mundial”, declarou Clara.
Para ela, a escola mista, onde meninos e meninas convivem no mesmo espaço, não garante a igualdade de gênero. “Alcançaremos a igualdade por meio da abordagem da coeducação, que parte do princípio da não discriminação baseada em gênero e que integra a igualdade em todos os processos de ensino e aprendizagem, incorporando-a no currículo oficial, oculto e omitido”, pontuou. Igualmente importante é como se faz, o que ensinam e como se comportam os professores, tutores e diretorias dos centros educacionais. É trabalho de todos os envolvidos na educação. Por isso, é importante o compromisso e a formação dos professores e das famílias. “É preciso treinar o olhar”, concluiu Clara.
Como Ariana apresentou, as pesquisas realizadas pelo OJI da FSM mostram que a igualdade de gênero, os valores ambientais e a justiça social são as três grandes bandeiras da juventude ibero-americana de hoje. A percepção que os e as jovens têm de si mesmos com relação a esses três valores é positiva e orgulhosa; pensam que são capazes de ensinar a geração dos seus pais ou irmãos mais velhos.
No entanto, conforme pontuou, os estereótipos continuam existindo, assim como um forte substrato social de machismo e patriarcalismo. “Precisamos continuar avançando na perspectiva da coeducação, por exemplo, masculinizando as tarefas de cuidado. E precisamos romper com o binarismo que domina as identidades, área em que os jovens avançaram significativamente”, destacou Ariana.
Para Carmen, a perspectiva de gênero contribui em todos os campos da sociedade, inclusive na ciência. “A educação sexista persiste; o homem continua sendo o protagonista da história, da arte e da ciência. Por isso, precisamos dar mais ênfase e valor ao inestimável legado oferecido pelas mulheres, que sempre trouxeram uma visão diferente e transformadora”, afirmou.
Por outro lado, é fundamental contar com os homens para essa tarefa de transformação e visão de coeducação. “Os homens estão mudando, especialmente na esfera privada, e isso não é valorizado. Precisamos que os homens tornem visíveis as mudanças que eles próprios estão fazendo a partir de uma perspectiva de gênero”, ponderou.
Carmen encerrou o webinário trazendo uma questão que precisa urgentemente ser combatida na sociedade, que é a violência de gênero. “Precisamos romper com o fascínio masculino pela violência (incluindo a violência sexual) que, em muitos casos, é exercida indiscriminadamente contra as mulheres”, declarou. Segundo a mediadora Elisa Bonilla, ocorrem pelo menos dez feminicídios diariamente no México.
Perdeu os seminários anteriores? Neste link é possível rever como foram os primeiros encontros, além de conferir a programação completa dos próximos webinários.
Assista ao webinário completo:
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